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Coisas de antigamente
Enviado pelo autor, Vitória-ES

Por João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado e escritor, autor do livro "Direito e Utopia", Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br - www.joaobaptista.com

31 janeiro, 2006

Há muitas vantagens em ser jovem. Mas há uma desvantagem: os jovens não podem falar de “coisas de antigamente”, a não ser por ouvir dizer. Não sei se todas as coisas de antigamente são boas, mas a lembrança delas é sempre saborosa.

Vamos começar com uma coisa de antigamente muito simples: as provas orais. Acabaram com as provas orais. Não sei se isso foi progresso. Para o jovem, a prova oral é um treinamento contra a timidez, um desafio para vencer as dificuldades do imprevisto, uma oportunidade de demonstrar facetas da aprendizagem que a prova escrita jamais revelará.

Hoje, não se estuda mais latim. Nos meus tempos de jovem, o latim era obrigatório e, no vestibular para a faculdade de direito, tínhamos de saber as Catilinárias, de Cícero, inclusive fazer sua análise sintática.

Um dos meus examinadores, na prova oral, pediu que eu analisasse sintaticamente este período das Catilinárias: “Senatus haec intellegit, consul videt; hic tamen vivit. Vivit? immo vero etiam in senatum venit, fit publici consilii particeps, notat et designat oculis ad caedem unum quemque nostrum.” (O Senado tem conhecimento destes fatos, o cônsul tudo vê mas este homem continua vivo. Mais ainda, aparece no Senado e aponta-nos, um a um, para a morte).

Modéstia à parte –revelo isso como estímulo aos jovens–, acertei.

Outra coisa de antigamente era o fato de ser a usura considerada como crime, na Lei e na consciência social. Ainda que raramente as pessoas respondessem a processo pela prática do crime, porque era consumado quase sempre de forma clandestina, havia uma vigorosa condenação moral do agiota. Não era boa a reputação do usurário.

Nestes tempos modernos a usura faz parte das operações cotidianas dos bancos e do comércio de vendas à prestação. A situação de hoje nos remete ao dilema de Brecht: prender o ladrão do banco ou o dono do banco? Mas também com Brecht resistir: “Interroga a propriedade: De onde vens? Pergunta a cada idéia: Serves a quem?”

Mais uma coisa de antigamente: a delícia do silêncio. Não havia carros de som em profusão. Não havia possantes aparelhos sonoros que levam o barulho a quilômetros de distância. Havia o alto-falante do parque para quem ingressava no parque. Havia a música da orquestra para quem participava do baile. Era possível ouvir o canto dos passarinhos, o fragor das ondas, os ruídos da natureza. O ouvido de namorados e namoradas tinha sensibilidade para perceber as batidas do coração, o ritmo da respiração, os suspiros da alma porque o ouvido estava educado para captar as flagrâncias não reveladas. Pobres jovens de hoje, cujo ouvido é massacrado pelos ruídos ensurdecedores.

Antigamente, todos compreendíamos que o silêncio é necessário à saúde e à paz, ao equilíbrio emocional, ao reabastecimento espiritual. Todos defendíamos o silêncio como bem coletivo inestimável.

Tenho saudade dessas coisas de antigamente.


É domingo, é dia de churrasco, não de eleições
Enviado pelo autor, Contagem-MG

Por Anderson Ribeiro, escritor, autor do livro "Algozes"

30 setembro, 2004

- Carta para você!
Era um envelope branco, 1/2 ofício, escrito "Justiça Eleitoral de Minas Gerais" em negrito.
- Você foi premiado: "Ganhou" o dever de trabalhar pros outros de graça nestas eleições - disse minha irmã com um rizinho debochado de quem já passou várias vezes pela mesma situação. Sem abrir o envelope já previu que o churrasco do meu domingo havia-se transformado em fumaça.
- E quando te chamam uma vez costumam chamar por umas quatro eleições - me animou.

Pronto! Minha casa caiu! Alguém tem que fazer o trabalho sujo e, desta vez, fui pego pra Cristo. Se fosse pra bater uma laje eu me sentiria melhor, mas ser obrigado a empreitadas que não planejei fazer sempre me incomodou muito. Uma coisa é tomar gosto por algo e tocar para frente uma tarefa árdua e desgastante, outra, é alguém, e no meu caso um papel, me dizer onde eu deverei estar naquele domingo. E o meu direito de ir e vir? E não me venham falar em cidadania, trabalho social e/ou comunitário, pois não é o caso. Mil contribuições diretas com objetivos específicos e para as quais eu tenha aptidão a um (ou dois, se houver segundo turno) cargo de ornamento político.

O homem é por natureza um animal político, já nos ensinava Aristóteles, mas do mesmo jeito conheço um monte de motoristas roda-dura. E é duro defender algo no qual não se acredita. Não é da política em si que reclamo o meu churrasco, mas da fase política. Do homem que a pratica mal. Afinal de contas, o esfaqueado não pode nunca culpar a faca, mas alguém tem que tomá-la das mãos inabilitadas: "Isto tem que ser feito por pessoas altamente especializadas", sob o risco de termos que fundar o MSCDE (Movimento dos Sem Churrasco no Domingo de Eleições). Tudo bem, eu vou. Obrigado mas vou. Cumprir a minha parte. Contudo, candidatos eleitos, que meu cunhado não me esnobe contando da gordurinha de dois centímetros da picanha em vão. É domingo, façam-no valer a pena.


O fim da publicidade
Enviado por Paulo Sérgio Loredo, São Paulo-Capital

Por Fábio Fernandes, publicitário

Fonte: O Globo
30 março, 2004

Num país distante, um sujeito estava vendo tevê. Passou um comercial de cerveja. O sujeito sorriu. Na verdade, gargalhou. Ele gostava de comerciais como aquele, com bom humor. Aí ele olhou para o lado e viu que seu filho tinha gostado também: "Legal esse né, pai?". Concordou. E passou a odiar aquele comercial.

Como é que podia um comercial engraçado, agradar também ao seu filho, um imberbe menor de idade? Se eu, que sou inteligente para discernir entre o certo e o errado, quase gostei desse comercial como não estará a legião de pobres incautos consumidores?

Decidiu escrever uma carta para o Congresso. Algum deputado leu e concordou: inteligente, já havia pensado nisso. Fez um projeto de lei que foi votado e...pronto, salvou a sociedade: nunca mais haveriam comerciais de cerveja a infestar as ingênuas e influenciáveis cabecinhas.

Tempos depois, outro consumidor atento reparou nos comerciais de cosméticos. Ora, raciocinou, a busca pela juventude eterna, a celebração da estética, tudo em detrimento do conteúdo verdadeiro de nossas almas. Isso corrobora o abismo entre os despossuídos, que estarão irremediavelmente associados ao conceito do "feio" enquanto aos mais ricos caberá sempre a imagem de jovialidade, beleza e saúde. Solução: fim da propaganda de cosméticos em geral.

Todos aplaudiram no Congresso daquele país. Mas, eis que outro senador, igualmente inteligente (mais que a média da população daquele país, com tão poucos consumidores inteligentes), levantou outra questão. Se automóveis atropelam e matam, então melhor seria que não fossem anunciados para não despertarem nas próximas gerações a vontade de dirigi-los.

Foi por aclamação: aprovado. Assim como a emenda contra propagandas de hambúrgueres, e, já que esse era o assunto, de alimentos e restaurantes em geral, que era mesmo um despautério num país com tanta fome se admitir propaganda mostrando pessoas felizes comendo.

Aliás, por que as pessoas tinham que estar alegres na publicidade? Para despertar rancor nos entristecidos? E ficou proibido o sorriso na propaganda. No máximo seria permitida uma insinuação, de canto de boca. E depois da meia-noite, já que os tristes dormem cedo. Alguém lembrou dos insones solitários. E cortaram do texto aquela liberalidade.

Propaganda de moda? Segregacionista. De sabão em pó? Racista, sempre que valoriza o branco. De banco? Pelo amor de Deus, será que ninguém ainda parou para ver o que está embutido nas mensagens dos comerciais de banco, gente? A sensação de que só com o dinheiro se pode ser feliz, lógico! Cartão de crédito? Este mês, até sem dinheiro, você pode ser feliz, caramba.

Nos jornais, a Imprensa apoiava cada uma das medidas. Alguns jornalistas adoravam a idéia de que seus salários são integralmente pagos pelo leitor que compra jornal na banca: publicidade só enfeia o conteúdo editorial.

A sociedade acuada pela sórdida propaganda apoiava as medidas. E reclamava de toda publicidade que brincasse com qualquer uma das suas convicções pessoais. Gordo não pode, magro, também. Padre, freira, careca, viúva, estudante, feio, bonito, mais ou menos feio, surfista, narigudo...nem pensar. Satirizou homem, é feminista. Mulher, lógico, é machista. A sociedade estava de mau-humor.

Até que um dia, alguém na casa do vizinho sorriu. Na verdade, gargalhou. E o sujeito que ouviu aquilo, não se sabe por que, teve uma intuição de que aquilo poderia ter alguma coisa a ver com a *&*%#!+*# (a palavra "propaganda" tinha sido proibida). Será que inventaram um câmbio negro de *&*%#!+*# e o meu vizinho conseguiu com traficantes uma fita de vídeo cheinha de *&*%#!+*#s engraçadas?, pensou o um formador de opinião. Pelo sim, pelo não, chamou a Polícia.

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Música de fundo em arquivo MID (experimental):
"Influência do jazz", de Carlinhos Lyra
Nota para a seqüência MIDI: *****

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Belo Horizonte, 20 fevereiro, 2006