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Chuva, lixo e infância
Enviada pela autora, Lagarto-Sergipe

Por Tânia Cristina de Macedo Costa, pedagoga

13 julho, 2005

Não era, com certeza, a imagem que eu gostaria de ter visto de manhã tão cedo. Voltava da feira e parei numa barraca de revista para abrigar-me de uma forte chuva. O carro coletor de lixo estava parado bem próximo. Recolhia o lixo do condomínio onde moro. Os garis jogavam o conteúdo dos latões na máquina, e junto deles estavam um pai com seus dois filhos, catando tudo que poderia ser reciclado.

Os meninos aparentavam ter nove e onze anos, aproximadamente. O mais velho estava vestido, porém encharcado. Suas roupas estavam coladas ao corpo. Detive meu olhar no menorzinho, só de shorts, descalço... Era um menino raquítico; pele e osso. Tremia de frio, mas não parava de recolher garrafas PET. Nenhum deles usava máscaras nem luvas.

Ao ver aquela imagem, não me contive. Dei às costas e comecei a chorar. Não sei se meu choro era de tristeza, raiva ou sensação de culpa por aquilo. Pensei nas diferenças entre essas crianças e as que habitam o citado condomínio. Como é época de férias escolares -férias de julho-, as crianças que são minhas vizinhas estavam dormindo aquecidas, de pijamas limpos... Ninguém deve acordá-las. Estão descansando. Acordarão lá pelo meio-dia... Silêncio! Ao acordarem, já encontrarão refeição pronta, gostosa e quentinha. Podem até não querer tal refeição e ligarão para um disque sanduíches. Elas podem escolher o que comer, o que vestir... Brigarão com seus pais ou empregada por isso. Descer para a rua? Não pode! Está chovendo muito! Podem pegar resfriado, micoses com as águas que correm pelas calçadas, podem escorregar e machucar um dedo. Definitivamente essas crianças não podem sentir a chuva... Faz mal.

As "crianças da lixeira" já estão acostumadas com as intempéries. Já adquiriram imunidade suficiente para tomar chuva e não pegar pneumonia. Andam descalças e não pegam micoses. Caem nas calçadas e nas ruas e não choram mais. Elas cortam as mãos ao separarem o material reciclável do não-reciclável, e não pegam tétano por isso. Elas estão imunes!

Estão imunes essas crianças, de muita coisa as quais nem percebemos - ou fingimos não perceber. Estão imunes contra a escola. Imunes de diversão, do brincar e do prazer. Imunes de vestir roupas novas e limpas. Imunes de afeto dos pais. Imunes de políticas públicas sérias que dêem à infância aquilo que lhe é de direito: ser criança de fato e de direitos e crescer com dignidade.

São tão imunes quanto os políticos que elegemos. Esses que jogam todos os direitos, para a construção do cidadão, no lixo. É...pelo menos isso! Ainda bem que as leis, aqui no Brasil, são de papel e papel é material reciclável. Existem políticos por toda parte e em todo o Brasil existem crianças revirando o lixo pra sobreviver. Crianças iguais as que vi hoje de manhã. Infelizmente, elas e o lixo estão fazendo o mesmo "papel". Viraram tralha; viraram lixo. Sem direito à reciclagem.


Um quadro e suas versões ao passado
Enviado pelo autor, Fortaleza-Ceará

Por Soares Feitosa, poeta e editor do Jornal de Poesia
Comentários sobre o texto para soaresfeitosa@secrel.com.br -
www.jornaldepoesia.jor.br

7 julho, 2005

Hanna, de Allan R. Banks, nascido em 1948  

Quando Teófilo abriu o estabelecimento, lá estava, por baixo da porta, uma gravura. Quem a botara ali? Recuou-se ele, desde a infância, àquelas professorinhas a quem os meninos de então, ele também, chamavam "fessora". Não. Não era.

- Apenas uma foto de currículo, senhor. O vento. Quem sabe, algum retrato que vazou do cesto — disse a auxiliar das pastas.

O vento. Isso mesmo! O que fazem as empresas com os currículos que lhes chegam aos montes? Afinal, não se sabe de alguém que tenha tomado currículo de volta. As cartas, as fotos, sim. Mas não era uma foto. Nem carta. Um quadro, com aparência de coisa fina: oil on canvas — e, no verso, ilegíveis os nomes, do quadro e do autor.
- Não é fotografia! — disse Teófilo.

A secretária deu o dito pelo não dito. Bem que o assunto poderia ter morrido ali mesmo. Contam que Teófilo pegou a gravura e, cuidadosamente guardou-a. Contam que ele, todos os dias, colocava-a sobre uma mesa imensa, de tampo de vidro, e botava-lhe lupa. Examinava-a repetidamente. Quando entendia que o tamanho estava bom, retocava-a em vermelhos, tudo a partir de um lápis de cor, desses de marcar CD's, que ele antes utilizava para avivar os rótulos do estabelecimento. Pior, mal chegava um freguês, lá estava ele a indagar se conhecia aquela jovem. Muitos, de tão repetidos os interrogatórios, antecipavam-se e, antes mesmo de regatear preços, esclareciam que não.
- Bem que o amigo poderia tê-la visto na quermesse... não?!

Na quermesse! Como se as jovens de hoje fossem à quermesse. Não; ninguém sabia. Não fora encontrada. Outros garantem que o retrato nada teria de misterioso e muito menos a ver com um suposto vendaval, mesmo porque o vento, ali, as janelas fechadas, seria nenhum.

Teria sido assim, de uma outra versão: Teófilo, um dia restaurou um sonho e rascunhou-o no ar. Aliás, “riscou-o” em cima da perna, mal acordara. Correu com toda pressa para o estabelecimento, botou o sonho em papel e remeteu-o, mediante gorda retribuição, a uma sociedade de pintores. Até abriu concurso. Deu instruções, assim e assado. Quando chegou o quadro, um amigo objetou que não havia, naquela pintura, nenhuma referência sobre a parte de baixo. Realmente, olhando-o, não dá para garantir que a jovem tenha algo abaixo cintura. "Claro que deve ter!", dizia ele ao amigo. Realmente, não existe pessoa só do peito para cima. E o resto? Como haveria de ser o resto?

Contam que Teófilo, do alto de suas muitas exigências, não teria reclamado da equipe de pintores, mesmo porque as indicações do sonho a nada mais abrangiam que as partes superiores, tal como está. Dizem que Teófilo padecia do medo pânico de exigir algo a mais, digamos, um novo quadro, de corpo inteiro, pois lhe assaltava o terror de jamais “encontrá-la” se acaso aparecesse nesse novo formato, dos pés à cabeça. Afinal, no sonho, era-lhe somente aquela parte, a de cima. Mostrava-se ela também de lado, mas nem tanto. Sim, a outra manga da blusa, onde estaria a outra manga? Não dá para ver — os cabelos são-lhe longos e espessos. Muito estranho, não?!

Até que um belo dia, um caixeiro viajante deu notícia de um pintor, um certo Allan R. Banks, norte-americano, nascido em 1948. O quadro? Justo aquele da gravura: Hanna. Nada a ver, portanto, com o sonho, aliás, com o pesadelo de Teófilo. O problema é que ninguém acreditou.

Leitor, por obséquio, não me pergunte sobre desfecho. Isso pertence ao passado, algo totalmente inacessível até mesmo aos senhores historiadores. De fato, se dois historiadores se encontram, igual aos críticos de Literatura, desentendem-se imediatamente. O que, pois, dizer dos muitos boateiros que balanceavam dia e noite a vida de Teófilo e seu quadro misterioso?! Sobre o futuro, não! Isto é assunto calmo, o futuro. Todos nós sabemo-lo. Experimente colocar qualquer pergunta no modo “acontecerá”, e a resposta será imediata. Por isso mesmo é que os feiticeiros e adivinhos estão todos desempregados. Inclusive Teófilo.


Pelo o quê você vive?
Enviado pelo autor, Americana-São Paulo

“A característica do homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa, enquanto que a característica do homem maduro é querer viver humildemente por uma causa” – Wilhelm Stekel, do livro “O apanhador no campo de centeio” de J. D. Salinger


Por Juliano Schiavo Sussi, estudante de jornalismo

E-mail: jssjuliano@yahoo.com.br

   

Às vezes tenho vontade de segurar o mundo em minhas mãos, mas logo percebo que não consigo dar conta nem de mim mesmo. Complicamos tanto, vivemos num mundo de ilusões, comemos coisas artificiais que imitam o sabor dos alimentos, choramos diante das cenas de televisão e não nos comovemos com os mendigos que estão à nossa porta, estereotipamos as pessoas pelo o que vestem e não pelo que são. O que é isso? É um mundo mais belo, ou maquiado para que não vejamos o que realmente ele é?

O mundo é, ao mesmo tempo, uma Daslu e um barraco. Um é muito luxuoso, outro, muito precário. Um é utópico, outro realista. E há quem viva no meio dos dois: a classe média, que vive no shopping e aspira um dia poder adentrar na Daslu.

Vive-se, ou finge-se viver? Lutamos para mudar o mundo, ou ficamos só nas belas palavras? Afinal, o que tanto buscamos se sabemos o nosso fim?

Fiquei outro dia a pensar sobre isso. A morte é a única certeza que temos nessa vida, mas será que realmente vivemos, fingimos ou tentamos saborear o gosto da vida? Aponte-me três grandes razões para você continuar vivo. Esqueça-se do sucesso profissional, isso não pode ser incluído na lista das três boas razões para você viver. Apegue-se ao seu mundo, seja egocêntrico, por agora, e pense em você mesmo: quais são os três motivos que lhe fazem viver?

Se me perguntassem isso, eu simplesmente sentaria e esperaria por alguma resposta. Está certo que, de cara, iria responder: sucesso profissional. Estaria sendo mesquinho. A vida não se resume só a trabalho, mas o supervalorizamos. Afinal, qual é o objetivo de nossa existência? Porque essa pergunta atormenta tanto a humanidade? E, se tivéssemos uma resposta, saberíamos viver?

A realidade foi maquiada, muros foram erguidos para separar o homem do seu semelhante mais necessitado, ambientes artificiais floresceram e a reflexão foi lentamente sendo trocada por ação. O mundo busca a ação, a reflexão fica no campo da inutilidade, pois, se tudo que se vive fosse objeto de uma reflexão, muita coisa teria que ser mudada.

A sociedade caminha para sua auto-destruição, ou isso é apenas uma tendência passageira?

Qual a causa pela qual você vive? É necessário, muitas vezes, refletir. Cabe só a você fazer isso.

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Música de fundo em arquivo MID (experimental):
"Atrás da porta", de Chico Buarque
Seqüência Midi: Ed Pupone
Nota para a seqüência MIDI: ****

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Belo Horizonte, 30 julho, 2005