Dois ou três almoços,
uns silêncios
Enviado por Isolda Harris, Fortaleza-CE
Fragmentos
disso que chamamos de "minha vida"
Por
Caio Fernando Abreu
Publicado no jornal "O Estado
de S. Paulo", 22/4/1986
3 novembro, 2006
Há alguns dias, Deus -ou
isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus-,
enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de
amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma
pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar
e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer
ou não querer - eu já estava lá dentro.
E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal -
não aconteceu qualquer intimidade dessas que você
certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada.
Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos
disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha
vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida".
De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as
toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas
de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente
esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia,
eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia
protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos
desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada
de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro
do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da
outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa,
e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você
não come açúcar, ah você não
bebe uísque, ah você é do signo de Libra.
Traçando esboços, os dois. Tateando traços
difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele
espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais
sair daquele colo quente que é ter uma face para outra
pessoa que também tem uma face para você, no meio
da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando
o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho
obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação"
na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam
comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua
infância impossível". Cito de memória,
não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva,
sentada num degrau às três da tarde, com um cão
basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára.
Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se
vai. E nada acontece.
De mais a mais, eu não
queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir
vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não.
A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por
si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu
estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir.
Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou
descuidado, também - em pequenas epifanias. Miudinhas,
quase pífias revelações de Deus feito jóias
encravadas no dia-a-dia.
Era isso - aquela outra vida,
inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca
vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena
epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira
soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer
coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência
e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um
jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o
que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo
esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido,
e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto
tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça,
agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de
dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa
pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço
a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio,
então. E quase paro de sentir fome.
Lição de cidadania
Enviado por Mag Guimarães, Rotterdam-Holanda
Por Lucia
Hippolito
Comentário da cientista
política na Rádio CBN em 25/12/2005
2 julho, 2006
Entre 7 de setembro e 4 de novembro
de 1940, a aviação alemã despejou várias
toneladas de bombas sobre Londres, numa das mais violentas batalhas
da Segunda Guerra Mundial.
Durante o que ficou conhecido
como a Batalha da Inglaterra, foram 57 noites de puro horror.
A população da capital inglesa viveu esses dias
inteiramente aterrorizada, dormindo em abrigos e voltando no
dia seguinte, para encontrar, no lugar onde tinha sido sua casa,
um monte de escombros.
A destruição atingiu
até mesmo uma ala do Palácio de Buckingham, residência
da família real. O rei George VI foi vivamente aconselhado
a deixar Londres com sua mulher e suas duas filhas, uma das
quais é a atual rainha Elizabeth II. Se a família
real se mudasse para o interior da Inglaterra, suas chances
de sobreviver às bombas nazistas seriam infinitamente
maiores.
Nessa hora, ao contrário
do que era aconselhado, a rainha ergueu-se como um
monumento. Baixinha, gordinha, sem nenhuma importância
até ali, a mulher de
George VI transformou-se numa leoa, na solidariedade ao seu
povo. Não só
declarou que ninguém de sua família deixaria a
cidade de Londres, como passou a visitar diariamente bairros
bombardeados para mostrar que a família real continuava
ali, ao lado de seu povo, mesmo na mais tenebrosa adversidade.
A rainha conquistou para sempre
a admiração e o amor dos ingleses. Morreu em 2002,
com 101 anos, cercada pela devoção do seu povo.
Naqueles dias de 1940,
a família real inglesa demonstrou absoluta lealdade à
sua gente. A população de Londres não foi
abandonada. Na mais dura
prova até então vivida por uma grande cidade,
os londrinos tiveram ao seu lado o seu rei, sua rainha e seu
governo.
A primeira família, seja
na realeza ou na República, é sempre simbólica.
Ela é uma transmissora de valores, de adesão às
marcas nacionais. Seus atos apontam caminhos, soluções
e possibilidades. O exemplo que ela dá revela seu compromisso
com o país e seu futuro.
Tudo isso me vem à lembrança
quando leio nos jornais que no Brasil a esposa do presidente
da República solicitou e conseguiu de um governo estrangeiro
cidadania para ela, seus filhos e seus netos. A
mulher do presidente Lula, seus filhos e netos são hoje
também cidadãos italianos
O que será que isto quer
dizer?
Como é que esta atitude
será interpretada pela maioria dos brasileiros, que não
querem fugir do país e que tentam, todo santo dia, fazer
do Brasil um país melhor?
Como o Brasil espera inspirar
confiança nos investidores estrangeiros, quando a família
do presidente da República já conseguiu para si
mesma uma "rota de fuga do país?"
Em tempo:
Vale recordar que Dona Marisa
Letícia (assim mesmo, agora ela usa os dois nomes, "para
ficar mais formal") andou se justificando com asinina sinceridade:
segundo ela, o pedido de cidadania italiana foi para "garantir
aos filhos um futuro mais seguro".
Ela deve saber qual futuro seu
marido está construindo...
A sobrevivência da velhinha
Enviado por Mário Bomfim,
Belo Horizonte-MG
Autoria desconhecida
5 julho, 2006
Minha esposa e eu viajávamos
num cruzeiro pelo Mediterrâneo a bordo de um transatlântico
da empresa Princess. Durante o jantar notamos uma senhora velhinha
sentada perto da varanda do restaurante principal. Notei também
que todo o pessoal, a tripulação do barco, garçons,
ajudantes dos garçons etc. estavam muito familiarizados
com ela.
Perguntei ao garçom que
nos atendia quem era aquela dama. Eu esperava que respondesse
que ela fosse a dona da companhia de cruzeiros, mas respondeu
que não. Ela apenas estava a bordo nas últimas
quatro viagens, ida e volta.
Uma tarde, quando estávamos
saindo do restaurante, cruzamos com ela e aproveitei para cumprimentá-la.
Conversamos um pouco. Passado algum tempo lhe disse: "Pelo
que entendi a senhora tem estado neste barco nas últimas
quatro viagens". Ela respondeu-me: "Sim, é
verdade".
Disse a ela que não entendia
a razão e ela respondeu, sem pensar: "É que
sai mais barato que um asilo para velhos nos Estados Unidos.
Não ficarei num asilo nunca, sendo que de agora em adiante
fico viajando nestes cruzeiros até a morte. O custo médio
para se cuidar de um velho nestes asilos é de 200 dólares
por dia. Verifiquei com o departamento de reservas da Princess
que posso obter um desconto quando compro os cruzeiros com bastante
antecipação, mais o desconto para pessoas de mais
idade, chegando a 135 dólares por dia. A viagem
me sai a 65 dólares diários. E tem mais:
- Pago só 10 dolares
diários de gorjetas.
- Tenho mais de 10 refeições
diárias se quero ir aos restaurantes,
ou posso ter o serviço na minha cabine, o que significa
dizer que posso ter o
café da manhã na cama, todos os dias da semana.
- O barco tem três piscinas,
um salão de ginástica, lavadoras e secadoras
de roupa grátis, biblioteca, bar, Internet, cafés,
cinema, show todas as noites e uma paisagem diferente cada
dia.
- Creme dental, secador de
cabelo, sabonetes e shampoo grátis.
- Te tratam como cliente e não
como paciente. Com uma gorjeta extra de 5 dolares, terás
todo o pessoal de serviço trabalhando para te ajudar.
- Conheço pessoas novas
a cada 7 ou 14 dias.
- A TV estragou? Necessitas
trocar a lâmpada? Quer que troquem o colchão?
Não tem problema. Eles consertam tudo e te pedem desculpas
pelos inconvenientes. Lavam a roupa de cama e as toalhas todos
os dias, e não tens que pedir.
Se você cai num asilo de
velhos e quebra a bacia, tua única saída é
o plano médico. Se cair e se machucar em algum barco
da empresa Princess, vão te acomodar em uma suite de
luxo pelo resto de tua vida.
Agora vou te contar o melhor
que tem as empresas Princess. Quer viajar pela América
do Sul, Canal do Panamá, Tahiti, Caribe, Austrália,
Mediterrâneo, Nova Zelândia, pelos fjords, pelo
rio Nilo, Rio de Janeiro, Asia? Ou então mencionas aonde
queres ir e a Cia. Princess está pronta para te levar.
Por isso, meu caro, não
me procures em um asilo para velhos. Viver entre quatro paredes
e um jardim, como paciente de hospital? No,
thanks!!!
Hãaa, ia esquecendo.
Se você morre, te atiram ao mar sem nenhum custo adicional...
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"This masquerade"
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