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Dilemas de um juiz: a aventura obrigatória
Enviado pelo autor, Vitória-ES

Por João Baptista Herkenhoff, livre docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor. Autor, dentre outros livros, de “Escritos de um jurista marginal” (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre)
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

11 dezembro, 2005

Quando depois de aposentado como juiz, também como professor me aposentei, fui tomado por uma crise de identidade. O vazio manifestou-se forte quando tive de preencher a ficha de entrada num hotel. "Que profissão vou colocar aqui?" – pensei alto. Se estava aposentado na magistratura e no magistério, nem como juiz, nem como professor poderia me definir.

“Ser ou não ser”, eis a questão. Shakespeare, pela boca de Hamlet, percebeu a tragédia humana, antes de Freud. Ah, sim. Já sei. E escrevi na ficha do hotel, resolutamente: Professor itinerante.

Não que já fosse um verdadeiro professor itinerante. Estava mal e mal começando a jornada. Entretanto, essa autodefinição marcou no meu espírito uma mudança radical e fixei ali um itinerário de vida pós-aposentadoria.

Falando aqui e ali, em congressos, seminários e cursos, vou sorvendo minha aposentadoria. Dos Estados brasileiros só não fui a Tocantins e Amapá. Em Pernambuco, num congresso de juízes, no mês passado, falei sobre a independência do magistrado e o cotidiano.

Em Santa Catarina, integrei um grupo de discussão para refletir sobre o trabalho como fonte de saúde e de doença. Vimos que o trabalho é fonte de doença quando o trabalhador não pode perceber a importância de seu esforço individual no produto coletivo.

Num congresso de serventuários da Justiça, refletimos que a Justiça não pode continuar sendo privilégio de poucos. Concluímos que só por pressão das bases a Justiça brasileira será transformada, jamais por decisão das cúpulas – acomodadas e conservadoras.

A aposentadoria pode não implicar em encerramento de atividades, mas apenas na redução de compromissos exigentes. São múltiplas as novas experiências possíveis. Que cada um encontre seu caminho. Que a sociedade não cometa a insensatez de desprezar a sabedoria dos mais velhos.

Como a vida é curiosa. Aprovado em concurso para Juiz Substituto, sem comarca certa, quis ser, tão logo fosse possível, titular de uma comarca, na busca de segurança. Depois, já titular em comarcas do interior, pretendi ser juiz em Vitória, capital do meu Estado. Encontraria, na carreira, o pouso definitivo. Era ainda a busca de segurança o motivo inconsciente.

Na Universidade, entrei por concurso, no primeiro degrau da carreira. Nessa condição, tinha de dar aulas de qualquer matéria, substituindo professores. Fiz então novo concurso, para me titular, ter minha cadeira, meu espaço, em busca de segurança.

E agora, quando já vislumbro o entardecer, descreio de todas as seguranças supostamente conquistadas. Volto a ser andarilho, peregrino, caminhante.

Aprendo com Guimarães Rosa: “Viver é perigoso. A aventura é obrigatória”.


A bela e o presépio
Enviado pelo autor, Belo Horizonte-MG

Por João Rafael Picardi Neto, jornalista
E-mail:picardineto@yahoo.com.br

9 dezembro, 2005

Existem coisas inexplicáveis. Explicá-las seria desnudá-las do encanto. Coisa de cientista tentando provar a angústia de ser ateu. A saíra azul é bela e pronto! A chuva fina que cai de maneira uniforme, em pequenas e suaves gotas é algo belo, maravilhoso. A chuva dispensa explicações dos livros,dos sábios, dos meteorologistas. Maravilhoso também é o ninho do beija-for que foi construído debaixo da ponte do Córrego da Fazenda, lá em São Brás do Suaçuí, pertinho do meu sítio.

Achamos que uma mulher é bela e fim de papo. Não nos venham falar de modelos magricelas, anoréxicas, que hoje são impostas pela mídia. Um dia me apaixonei perdidamente por uma tal de Juliana Amorim, a mulher mais bela que já existiu no mundo. Tornei-me alcoólatra por uns tempos devido àquela paixão platônica. Ela era para mim, naquela época dos desvarios, a mais bela mortal que viera nesse mundo de Deus. Não era somente bonita. Era bela. Bela! Belíssima! Mais tarde descobri rostos e olhos tão belos como o daquela belo-horizontina, que hoje deve estar bem casada, possivelmente gorda e cheia de filhos. Mas ela era a minha musa e ponto final. Sua beleza me atemorizava. Sentia-me um monstro perto dela. Ao lado daquele corpo eu ardia de desejo e vergonha.

Tudo isso para introduzir uma informação. Na casa da minha irmã Carmela, na rua Professor Raimundo Nonato, quando se aproxima o Natal, ali se constrói o mais belo presépio do mundo. Belo porque é simples. É ainda mais belo porque está em permanente construção. Se parece com minha imaginada Juliana. Nunca fica pronto até o dia de Natal. Só é desmontado depois que chega o chuvoso mês de janeiro. Carmela, com seus 78 anos, aparenta ser mais jovem e muito mais interessada que a maioria das patricinhas que andam desfilando no Pátio Savassi.

Mais jovem,menos estressada, mais interessada com o bem estar do mundo e com o sofrimento do próximo. É sonhadora. Muito sonhadora. Uma devoradora de livros e revistas.

Certos velhos não envelhecem. Encolhem, tamanha a sabedoria que possuem.
No presépio de Carmela é possível encontrar de tudo. É como no fundo do meu aquário, no meu apartamento de homem solitário. Entre os peixes, quem reparar bem, poderá ver velhos relógios, conchas de desconhecidas praias, dentes que tive que extrair, antigos óculos em desuso, medalhinhas, um velho pião, um ajuntar de coisinhas.

Naquele presépio, antes de Jesuscristinho nascer, há um tempo de espera. Mas antes, há um tempo de catas. Aquele boizinho sem as pernas dianteiras que alguma criança dispensou como coisa sem serventia, aquela sandália que uma criança, quando brincava com os moleques da rua, uma boneca partida, a tampinha de um vidro de perfume, seixos de regatos, penas de rolinhas catadas na rua, a flor que secou dentro de um livro, um girassolzinho de plástico,a canoinha de casca de árvore, carregando canoeiro meio bêbado, a velha canelinha de uma estragada máquina de costura, bugigangas.

Carmela recicla coisas como se reciclasse a sua vida de velha professora primária. No seu presépio, como no coração de Cristo, há um espaço para tudo. Certo dia lhe advertia que lá em Belém da Palestina não existiam garças como aquelas que habitam a lagoa da Pampulha. Sorrindo, ela me perguntou: "Existiam andorinhas, pardais, rolinhas ou outras aves?".

Musgo! Ela gosta de musgos. Tive que entrar com ela na água fria no mês de julho. Reclamei que ainda estávamos muito longe do Natal. Ela retrucou: "Mas é agora que estamos muito perto do enfeite".

São José, santo de devoção, quebrou o pescoço, perdeu um pedaço do braço. Comprei "Super Bonder" e ela colou. De pescoço curto, o santo ficou parecendo o falecido general Castelo Branco. "Não faz mal" - disse ela – “não guardo mágoa de ninguém. Muito menos daqueles generalzinhos que pensavam governar o coração dos homens".

O presépio de Carmela é como o quintal do cronista Rubem Alves. Nasceu de um sonho. Nasceu com uma menina pobre. Nasceu e sobreviveu na alma pura de uma sobrevivente. Viverá enquanto a professora primária, que recebe pouco mais do que o salário mínimo, estiver viva. Existirá enquanto o Cristo sem lantejoulas continuar nascendo nos corações de pessoas simples. Existirá porque é belo, como era bela a minha amiga Juliana, permanecerá para sempre, nem que seja apenas na nossa memória.


Fora de foco
Enviado pelo autor, Volta Redonda-RJ

Por Charlles Nunes
E-mail: cronicanacesta@gmail.com
w
ww.charllesnunes.blogspot.com

16 dezembro, 2005

Você ainda se lembra do Curso de Fotografia por correspondência, do Instituto Universal Brasileiro? E daquela câmera fotográfica descartável... Como era mesmo o nome? Love! Vai me dizer que não é de sua época?

Tudo bem, pode me chamar de velho. Às vezes, também me acho ultrapassado... Mas trago a conversa à baila para tocar num outro ponto: Quantas e quantas fotografias tiradas no mais puro estilo amador você tem guardadas aí em casa? Quantas cabeças cortadas, fotos tremidas ou fora de foco? Pernas anônimas e seus respectivos pés? Por que nunca as jogamos fora?

Pois é assim que concluo este ano de 2005: com uma crônica tremida, incompleta, fora de foco. É que, entre tantas atividades realizadas durante o ano, deixei de lado uma prioridade: Conclui o 4º ano do Curso de Letras, mas adiei a conclusão da adaptação em Literatura Portuguesa!

Por este motivo, os próximos doze meses ainda me encontrarão nos bancos da mesma faculdade, pagando outras 12 mensalidades, sem reclamar.

Sei que muitos sofrerão comigo, outros acharão que eu mereço, mas sigo tocando a vida, me consolando com os amigos que lêem estas crônicas toda semana.

E por falar em Crônica na Cesta, embora possa parecer contraditório nesta altura do campeonato, decidi dar um tempo para organizar melhor as idéias e planejar 2006.

Desejo-lhe então um Natal repleto de solidariedade e carinho, e um Ano Novo focado em realizações concretas e significativas.

Nos reencontraremos pelo caminho. É só uma questão de tempo...

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Música de fundo em arquivo MID (experimental):
"Arabesque"
Nota para a seqüência MIDI: *****

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No jornalismo é redigido de forma livre e pessoal, e tem como temas fatos ou idéias da atualidade, de teor artístico, político, esportivo etc., ou simplesmente relativos à vida cotidiana.

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Belo Horizonte, 23 dezembro, 2005